segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Bar ruim é lindo, bicho

* Antonio Prata

Eu sou meio intelectual, meio de esquerda, por isso frequento bares meio ruins. Não sei se você sabe, mas nós, meio intelectuais, meio de esquerda, nos julgamos a vangarda do proletariado, há mais de cento e cinquenta anos. (Deve ter alguma coisa de errado com uma vanguarda de mais de cento e cinquenta anos, mas tudo bem.)
No bar ruim que ando frequentando ultimamente o proletariado atende por Betão - é o garçom, que cumprimento com um tapinha nas costas, acreditando resolver aí quinhentos anos de história.
Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos ficar "amigos" do garçom, com quem falamos sobre futebol enquanto nossos amigos não chegam pra falarmos de literatura.
- Ô Betão, traz mais uma pra gente - eu digo, com os cotovelos apoiados na mesa bamba de lata, e me sinto parte dessa coisa linda que é o Brasil.
Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos fazer parte dessa coisa linda que é o Brasil, por isso vamos a bares ruins, que têm mais a cara do Brasil que os bares bons, onde se serve petit gâteau e não tem frango à passarinho ou carne-de-sol com macaxeira, que são os pratos tradicionais de nossa cozinha. Se bem que nós, meio intelectuais, meio de esquerda, quando convidamos uma moça pra sair pela primeira vez, atacamos mais de petit gâteau do que de frango à passarinho, porque a gente gosta do Brasil e tal, mas na hora do vamos ver uma europazinha bem que ajuda.
Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, gostamos do Brasil, mas muito bem diagramado. Não é qualquer Brasil. Assim como não é qualquer bar ruim. Tm que ser um bar ruim autêntico, um boteco, com mesa de lata, copo americano e, se tiver porção de carne-de-sol, uma lágrima imediatamente desponta em nossos olhos, meio de canto, meio escondida. Quando um de nós, meio intelectuais, meio de esquerda, descobre um novo bar ruim que nenhum outro meio intelectuais, meio de esquerda frequenta, não nos contemos: ligamos pra turma inteira de meio intelectuais, meio de esquerda e decretamos que aquele lá é o nosso novo bar ruim.
O problema é que aos poucos o bar ruim vai se tornando cult, vai sendo frequentado por vários meio intelectuais, meio de esquerda e universitárias mais ou menos gostosas. Até que uma hora sai na Vejinha com ponto frequentado por artistas, cineastas e universitários e, um belo dia, a gente chega no bar ruim e tá cheio de gente que não é nem meio intelectual nem meio de esquerda e foi lá para ver se tem mesmo artisas, cineastas e, principalmente, universitárias mais ou menos gostosas. Aí a gente diz: eu gostava disso aqui antes, quando só vinha a minha turma de meio intelectuais, meio de esquerda, as universitárias mais ou menos gostosas e uns velhos bêbados que jogavam dominó. Porque nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos dizer que frequentávamos o bar antes de ele ficar famoso, íamos a tal praia antes de ela encher de gente, ouvíamos a banda antes de tocar na MTV. Nós gostamos dos pobres que estavam na praia antes, uns pobres que sabem subir coqueiro e usam sandália de couro, isso a agente acha lindo, mas a gente detesta os pobres que chegam depois, de Chevette e chinelo Rider. Esse pobre não, a gente gosta do pobre autêntico, do Brasil autêntico. E a gente abomina a Vejinha, abomina mesmo, acima de tudo.
Os donos dos bares ruins que a gente frequenta se dividem em dois tipos: os que entendem a gente e os que não entendem. Os que entendem percebem qual é a nossa, mantém o bar autenticamente ruim, chamam uns primos do cunhado pra tocar samba de roda toda sexta-feira, introduzem bolinho de bacalhau no cardápio e aumentam cinquenta por cento o preço de tudo. (Eles sacam que nós, meio intelectuais, meio de esquerda, somos meio bem de vida e nos dispomos a pagar caro por aquilo que tem cara de barato.) Os donos que não entendem qual é a nossa, diante da invasão, trocam as mesas de lata por umas de fórmica imitando mármore, azulejam a parede e põem um som estéreo tocando reagge. Aí eles se dão mal, porque a gente odeia isso, a gente gosta, como já disse algumas vezes, é daquela coisa autêntica, tão Brasil, tão raiz.
Não pense que é fácil ser meio intelectual, meio de esquerda em nosso país. A cada dia está mais difícil encontrar bares ruins do jeito que a gente gosta, os pobres estão todos de chinelo Rider e a Vejinha sempre alerta pornta para encher nossos bares ruins de gente jovem e bonita e a difundir o petit gâteau pelos quatro cantos do globo. Para desespero dos meio intelectuais, meio de esquerda que, como eu, por questões ideológicas, preferem frango à passarinho e carne-de-sol com macaxeira (que é a mesma coisa que mandioca, mas é como se diz lá no Nordeste, e nós, meio intelectuais, meio de esquerda, achamos que o Nordeste é muito mais autêntico que o Sudeste e preferimos este termo, macaxeira, que é bem mais assim Câmara Cascudo, saca?).
- Ô Betão, vê uma cachaça aqui pra mim. De Salinas quais que tem?

*** Dedicado à toda galera do Bar Copacabana - Caxias do Sul / RS

Do pó ao pó...

Sobre um episodio da vida de Alexandre, o GRANDE...
Gostei tanto, que gostaria de dividi-los com vocês.
Eis o resumo: Quando à beira da morte, Alexandre convoca seus generais e seu escriba; relata a estes seus 3 últimos desejos:
1 - que seu caixão seja transportado pelas mãos dos mais reputados médicos da época;
2 - que seja espalhado no caminho até seu túmulo, seus tesouros conquistados (prata, ouro, pedras preciosas... );
3 - que suas duas mãos sejam deixadas balançando no ar, fora do caixão, a vista de todos.
*Um dos seus generais, admirado com esses desejos insólitos, pergunta a Alexandre a razão destes. Alexandre explica então:
1 - Quero que os mais iminentes médicos carreguem meu caixão, **para mostrar aos presentes que estes NÃO têm poder de cura nenhuma perante a morte;
2 - Quero que o chão seja coberto pelos meus tesouros, **para que as pessoas possam ver que os bens materiais aqui conquistados, aqui permanecem;
3 - Quero que minhas mãos balancem ao vento, para que as pessoas possam ver que de mãos vazias viemos, de mãos vazias partimos.
*Autor desconhecido.*

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Tu e Eu

Somos diferentes, tu e eu.
Tens forma e graça
e a sabedoria de só crescer
até dar pé.
Eu não sei onde quero chegar
e só sirvo para uma coisa
- que não sei qual é!
És pipa de outra pipa
e eu de um cripto.
Tu, lipa.
Eu, calipto.

Gostas de um som tempestade
roque lenha
muito heavy.
Prefiro o barroco italiano
e dos alemães
o mais leve.
És vidrada no Lobão
eu sou mais albinônico.
Tu, fão.
Eu, fônico.

És suculenta
e selvagem
como uma fruta do trópico.
Eu já sequei
e me resignei
como um socialista utópico.
Tu não tens nada de mim
eu náo tenho nada teu.
Tu, piniquim.
Eu, ropeu.

Gostas daquelas festas
que começam mal e terminam pior.
Gosto de graves rituais
em que sou penitente
e, ao mesmo tempo, o prior.
Tu és um corpo e eu um vulto,
és uma miss, eu um místico.
Tu, multo.
Eu, carístico.

És colorida,
um pouco aérea,
e só pensas em ti.
Sou meio cinzento,
algo rasteiro,
e só penso em Pi.
Somo cada um de um pano
uma sã e o outro insano.
Tu, cano.
Eu, clidiano.

Dizes na cara
o que te vem à cabeça
com coragem e ânimo.
Hesito entre duas palavras,
escolho uma terceira
e no fim digo o sinônimo.
Tu náo temes o engano
enquanto eu cismo.
Tu, tano.
Eu, femismo.

De Luis Fernando Veríssimo

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Trecho de um conto nórdico...

"Idun e as maças da juventude"

Odin e Loki estavam passeando certas feitas, por uma inóspita região. O primeiro adorava vagar por toda à parte, muitas vezes, recorrendo ao disfarce de andarilho, e, se devia a algo o fato de ser considerado o mais sábio dos deuses, era, justamente, à sua inesgotável curiosidade.- A curiosidade é o que diferencia o homem superior do medíocre – dizia ele a Loki, tentando instruí-lo. – Na verdade, há apenas duas classes de homens: os despertos e os adormecidos; os primeiros são aqueles que já acordaram do sono bruto da indiferença, no qual os outros ainda estão miseravelmente imersos. Um sono imbecilizante, que os faz crer que a vida se resume à meia dúzia de funções orgânicas, exceto a mais nobre: a de usar os seus próprios cérebros para criar algo de belo, que os torne felizes como um deus. E isto – arrematou Odin – somente alguém dotado de curiosidade pode fazer, ou seja, alguém desperto.