Um dos melhores pontos de observação da imprensa é o que poderíamos chamar de “o outro lado do balcão”, ou seja, como fornecedor de informações. Por conta da consultoria que dou à recém-criada Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) acabei levado para o lado de quem dá notícias para a imprensa e aí é possível observar alguns desvios de conduta no comportamento dos repórteres em geral. Há dois problemas predominantes: a subserviência e a arrogância. No primeiro caso, o repórter se comporta como se fosse um escriba, datilógrafo ou digitador: simplesmente reproduz o que é dito pelo entrevistado, sem questionar ou contextualizar. Este tipo de repórter, em geral, é bem visto pelos políticos e empresários porque não incomoda, mas é o que mais erros comete porque lhe falta visão de conjunto. Mas como o erro é “a favor” , poucos se queixam. Já o outro tipo de repórter chega para uma entrevista ou matéria com uma pauta prévia e geralmente está apenas a procura de fatos, histórias e citações que justifiquem ou reforcem uma ideia já estabelecida. É o repórter que passa o tempo todo jogando “cascas de banana” para o entrevistado esperando que ele escorregue numa delas. Isto faz parte de uma estratégia que transforma a entrevista num interrogatório. Este tipo de repórter também comete muitos erros, mas eles são em geral gerados pelo fato de o profissional tentar acomodar os fatos encontrados à agenda que trouxe da redação. Os dois comportamentos são igualmente equivocados do ponto de vista da informação transmitida ao público, embora nas redações o primeiro seja criticado e o segundo, elogiado. A dinâmica industrial predominante na maioria das redações é a principal responsável por esses dois tipos de distorção que acabaram se tornando tão comuns que já foram incorporados à rotina. O desenvolvimento das técnicas de media trainning levou os entrevistados, especialmente os situados em cargos importantes ou as personalidades públicas, a usarem o contato com a imprensa como espaço para promoção pessoal ou institucional. Os inúmeros artifícios e recursos desenvolvidos por especialistas contribuíram para distorcer ainda mais o resultado de uma entrevista, pois o público acaba tendo que se esforçar para saber até onde vai a notícia desinteressada e onde começa o marketing disfarçado de informação. Essa dúvida leva muitos entrevistados a achar que os repórteres têm sempre uma agenda oculta quando fazem uma pergunta. Com isso, tanto o entrevistador como o entrevistado se comportam como se estivessem num jogo, mais preocupados com a performance do que com a informação. Quem acaba perdendo é o leitor, que não participa do jogo e tem dificuldade para “ler nas entrelinhas” — ou seja, o que não é dito formalmente pelo repórter e pela fonte. A relação entre repórter e fonte passa cada vez mais pela desconfiança, o que provoca situações paradoxais. Os entrevistados aguardam a publicação da reportagem como se ela fosse uma espécie de veredicto. Isso faz com que o temor de ver declarações publicadas fora de contexto acaba levando muita gente e evitar o contato com a imprensa. O jornalista, por seu lado, enfrenta um número crescente de condicionamentos ao seu trabalho por pessoas e instituições interessadas em se proteger contra o que muitos já chamam de síndrome das meias verdades. É difícil a imprensa publicar hoje uma mentira completa por temor de represálias legais. Mas são cada vez mais frequentes as meias verdades, isto é, fatos e dados sem uma contextualização adequada. É o famoso caso do copo meio cheio ou meio vazio, tudo depende do contexto em que o fato foi situado. O fato concreto é que as entrevistas jornalísticas perderam o seu significado como ferramentas de comunicação para se tornarem exercícios de marketing institucional e pessoal. A maior preocupação, tanto de entrevistador como do entrevistado, é tentar descobrir o que o outro está tentando ocultar ou qual recado que está procurando passar de forma velada. O resultado é que raramente ambas as partes saem satisfeitas de uma entrevista. O entrevistador porque dificilmente conseguirá tirar tudo o que desejava da fonte e esta porque normalmente critica o enfoque dado ao texto, a seleção de informações, o estilo narrativo usado e as fotografias escolhidas. Nenhuma das partes se dá conta de que uma entrevista é também um momento de diálogo entre um repórter e uma fonte informativa, no qual o primeiro tenta captar o conhecimento do interlocutor para transmiti-lo ao público. E o segundo tem uma oportunidade rara de entender como uma informação pode ser melhor compreendida pelo leitor, em vez de se preocupar apenas com sua imagem pessoal e encarar o jornalista como um mero transmissor de recados, ou ainda como alguém especializado no escambo informativo. A solução para esses problemas é elementar e óbvia, mas apesar disto dificilmente levada em conta pelos dois ‘lados do balcão’: ouvir o que o outro tem a dizer.
Postado por Carlos Castilho em 2/4/2011 às 11:17:07 no Observatório da Imprensa |