quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Pros meus alunos

O texto a seguir, extraído do comunique-se.com.br, é uma pérola para a discussão teórico/prática sobre os limites e as apreensões a respeito da profissão Jornalista.
Boa leitura!


A notícia, o que é?
por Urariano MotaUrariano Mota
(*)Fonte:Direto da Redação

Não adianta ir aos dicionários, porque diante da velocidade do mundo, e da leviandade ligeira do Brasil, a definição de notícia dos dicionários já nasce mumificada. Até porque para ser um relato, como está no Aurélio, um relato de interesse público, atual, não é fácil. Nem mesmo o que é "de interesse", o que é "atual", e o que é "público", este principalmente, porque o público se tornou cada vez mais privado.... Esqueçamos, portanto, o dicionário.
Mas esquecer não é superar. Especialistas diferentes, incluídos aí os professores de comunicação, e até mesmo os velhos jornalistas, com o devido perdão pela ausência do novo, do novíssimo jornalista, que sempre é indício, na experiência humana, de qualidade pouca, os diferentes especialistas divergem. "Notícia é a expressão de um fato novo, que desperta interesse do público a que o jornal se destina", dizem uns.
Mas o que é o fato novo? É o acontecido há pouquíssimos instantes, ou o inusitado, o jamais visto? Se assim é, um homem que matasse um tigre a dentadas enquanto escrevo estas linhas seria uma extraordinária notícia. No entanto, esse incomum nem sempre é possível. Sabemos nós que o mundo se move nem sempre por linhas absolutamente novas, novíssimas, nunca pressentidas ou anunciadas, bomba, bomba, como desejam os editores, mas por linhas às vezes em círculos, em voltas progressivas de espiral, como de resto é a própria história humana.
Outros há que definem a notícia como tudo aquilo que possa interessar a alguém (sexo, sangue, sport, pois não?), que notícia é a informação transformada em mercadoria. A esses deveríamos dizer que o mercado não precisa depravar a informação a tanto. Uma coisa é o mercado servir-se da notícia para veicular os seus produtos, e outra, um pouquinho distinta, é fazer da própria notícia mercadoria.
Por esse último caminho chegaríamos fácil, fácil ao maravilhoso filme kodak dos atentados de 11 de setembro, ou ao anúncio comercial do genocídio da bomba de Hiroxima. Não desçamos a tanto. O sensacionalismo, o lugar que cede a informação à sensação, o real fantasiado para divertir ou idiotamente espantar já fez suas matanças.
Não há muito, o geneticista Genaro Paiva lembrou de personagens oportunistas que se dizem e são reconhecidos como amantes da ciência, e que disso se aproveitam para espalhar "novidades" científicas. Um personagem do gênero chegou a espalhar a boa nova de que o produto da mistura genética entre uma célula humana e uma célula vegetal resultaria em algum monstro do tipo metade homem, metade raiz. E concluía o geneticista, " por incrível que pareça, esse imenso ridículo virou notícia".
Para resumir: Notícia é aquilo que o editor no poder disser que é. Reinterpretou (esquentou), viu-lhe um novo ângulo (pôs um molho), publicou, é notícia. Isto não se ensina em canto algum, até porque há sempre uma distância entre a Ética ensinada nas escolas e a prática do comum dos periódicos.
Lembramos sem orgulho de um redator em Goiânia, muito parecido com este colunista, devo confessar, que em certo dia de 1978, na pressa de fechar a primeira página.... Era madrugada alta. A página tinha um buraco, e o diagramador, de raiva e maldade com o último jornalista na redação, queria vê-lo em dificuldade. E somente havia duas fotos do único purificador de águas na Companhia de Águas em Goiânia para ilustrar a manchete do jornal do domingo. O aflito redator enviou então a segunda foto, com a legenda: "O mesmo purificador em um ângulo diferente". Virou notícia.
(*) Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici. Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao ensino em colégios brasileiros.

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