Uma discussão com o Andrei, acadêmico de jornalismo da Unochapecó, rendeu boas reflexões que procuro repartir aqui com você, caro leitor.
Como princípio foi questionado se haveria alguma base científica para explicar o “BOOM” do fenômeno Sertanejo Universitário. A resposta foi: “Claro! Várias!”
A primeira abordagem histórico-materialista explora a evolução econômica brasileira na segunda metade do século XX. Até 1945 o Brasil era nitidamente urbanizado em grandes centros e muito carente de infraestrutura no aqui chamado Brasil continental, ou seja, a esquerda do Tratado de Tordesilhas.
Um exemplo disso é a formação das cidades do Mato Grosso, derivadas da expansão das vilas montadas pelos seringalistas e a relação com os índios (algumas tribos inclusive com hábitos canibais) consolidadas a partir de 1922, mas com auge econômico e político estruturado durante a 2ª GG (1945). Esse era o momento histórico e político que colocava o Brasil como personagem relevante no contexto internacional, como principal produtor de borracha para os países em guerra.
A colonização do extremo-oeste catarinense é outro exemplo. Como forma de ocupar o território e fortalecer a identidade nacional, famílias de descendentes italianos e alemães que haviam migrado para o Rio Grande do Sul foram atraídos pela abundância de terras férteis e baratas oferecidas pelas empresas colonizadoras como a do Cel. Bertasso. São Miguel do Oeste, hoje tratada pelas lideranças comunitárias como pólo microrregional do extremo-oeste, recebeu as primeiras 16 famílias em 1946 (conseguindo sua emancipação política em 1952).
O desenvolvimento vivido na era Vargas e consolidado com o governo de Jucelino Kubitschek de Oliveira estava impregnado no modo de viver e de se organizar desses primeiros habitantes. Primordialmente era um modo agrícola de produção, com pequenas propriedades, uma economia quase de subsistência pelo isolamento geográfico (o asfalto só chegou ao extremo-oeste pela BR 282, rodovia que liga um extremo a outro do estado de Santa Catarina, na década de 1980) e fortemente marcado pelas tradições da cultura germânica e italiana católicas e da gaúcha. Com a proximidade de outro estado (Rio Grande do Sul está a 70 quilômetros na direção Sul, dividido pelo rio Uruguai, e Paraná a 70 quilômetros na direção Norte, dividido por fronteira seca determinada geopoliticamente), é mais forte a influência de valores, história e tradições do povo riograndense do que uma aceitação da identidade dos catarinenses litorâneos (alemães luteranos, açorianos).
Esse Brasil continental e agrícola encontrou na moda de viola (adaptação de ritmos espanhóis e portugueses em instrumentos de corda improvisados com fios de arame de cercas rurais) uma forma de vazão aos sentimentos religiosos, valores, tradições e histórias da mitologia popular, num sincretismo entre brancos, índios, negros e caboclos.
Com a crise no setor primário, agravada por políticas de incentivo à indústria e à prestação de serviços (desenvolvimentismo da metade do século XX) as estatais e os cargos públicos se proliferaram. O homem do campo abandonou suas terras em busca da segurança de um salário mensal e o sonho das vantagens consumistas que as grandes metrópoles ofereciam. Era o êxodo rural, vivido nos anos 1970 e 1980. Porém, sem qualificação para atender às necessidades na indústria e sem terra para plantar, essas famílias engordam os cinturões da miséria e fizeram aparecer a precariedade da infraestrutura urbana. Com isso, minaram os planos de um crescimento ordenado das cidades. Estava instalada a miséria no Brasil litorâneo.
A década de 1990 chegou e com ela as medidas econômicas que tornaram a moeda forte e controlaram a inflação. Era possível planejar gastos e rendimentos a médio e longo prazos. O início do novo século vive então uma mudança mercadológica. Uma fatia do mercado com baixo poder de compra tem sede de consumo. As grandes redes de varejo facilitam o acesso ao crédito e TVs, geladeiras, sofás, carros e outros tantos bens de consumo são rapidamente adquiridos pela classe pobre.
Essa classe baixa com um grande apetite de consumo e alvo das grandes redes de varejo (grandes anunciantes da mídia) também mantém consigo o apreço pela música sertaneja, moda de viola e ritmos afins. A manutenção de elementos culturais (como a música) fazendo referência às raízes e hábitos interioranos mantém a identidade menos fragmentada, já que os estímulos de avanços tecnológicos e relação com o trabalho, típicos de uma cultura urbana, nem sempre são experimentados pela população que vive nas periferias das cidades. Tais elementos “caipiras” são adicionados pela indústria cultural então aos seus produtos voltados à classe baixa de origem rural e massificadamente distribuídos pelos meios de comunicação como “novos” produtos.
Com baixa escolaridade (até pela política elitista de acesso ao ensino superior vigente até 2004), o investimento em condições de melhoria no status e na qualidade de vida pelo aprimoramento intelectual e desenvolvimento de habilidades é facilmente substituído pelo consumo imediato de produtos midiaticamente fabricados – inclusive culturalmente.
Música de baixa complexidade, seja na estrutura (ritmo, melodia, compasso) e na letra (rimas simples, palavras de uso coloquial e cotidiano), segundo a Gestalt, são facilmente assimiladas (e também substituídas). Já a Escola de Frankfurt observa a dinâmica midiática que se apropria das manifestações culturais populares, pasteuriza-as transformando o conteúdo em massivo e devolve à população em repetidas e incansáveis vezes até que por behaviorismo (condicionamento psicológico), sejam assimiladas e interiorizadas sem crítica ou reflexão.
Associando esses fatores a uma nova mudança política no que diz respeito ao sistema educacional brasileiro, é possível identificar como objetivo atual (final da primeira década do séc. XX) facilitar o acesso ao ensino superior com a abertura de mais e mais faculdades (que não exige produção e investimento em pesquisa), cursos no sistema de educação a distância sem o devido controle de qualidade (transformando a educação numa fabricação em série de saberes prontos e estanques) e a desregulamentação de profissões (como a de jornalista, por exemplo), temos ingredientes suficientes para transformar a educação em mais um produto. O efeito imediato pode ser percebido nas universidades, onde muitas pessoas dessa classe economicamente baixa tiveram acesso às salas de aula do ensino superior, com todas as limitações e deficiências que o histórico de uma rede de ensino pública sucateada e descompromissada pode proporcionar .
Abriu-se aí uma oportunidade para a indústria cultural associar a música sertaneja (estigmatizada na década de 1980 como pobre e interiorana) ao status do conceito universitário (elitista, segmentado, superior, de ascensão social e rico), oferecendo aos “emergentes” um novo-velho produto, sem causar estranhamento e favorecendo a baixa complexidade na elaboração dos conteúdos.
Essas reflexões talvez ofereçam pistas para entender como e porquê o fenômeno do Sertanejo Universitário ganhou espaço privilegiado no cotidiano e na cultura do povo brasileiro.
Um comentário:
Excelente texto. Parabéns. Uns talvez achem preconceituoso, mas a verdade está aí. Não condeno as pessoas gostarem e comprarem, o problema é que fazem isso de maneira tão irracional. São alimentadas com pensamentos rasos e uma ideologia tão fútil e nojenta que se alastra pela sociedade e torno o povo cada vez mais estúpido.
Postar um comentário